Carlos Gasparinho

Fundación Ortega MuñozSeparata, SO5

CARLOS GASPARINHO

2015

MEMÓRIAS CONSTRUIDAS NAS MUITAS VIAGENS AO CROMELEQUE DOS ALMENDRES

Era uma máquina pequena de contornos arredondados. Cabia nas minhas mãos.
Tinha em cima um botão que fazia clique quando movimentado de cima para baixo, para logo voltar, de baixo para cima, à sua posição inicial. Nesse tempo, entre o de cima para baixo e o de baixo para cima, algo de mágico acontecia. Clique, clique, clique...
Depois era correr, pela mão do pai, para a tabacaria da esquina onde revelavam fotografias, isto é, onde se deixava a máquina para no dia seguinte a ir buscar, de novo carregada. A ela e a um envelope branco, com umas tiras transparentes de estranhas imagens.
Havia também umas pequenas fotografias, poucas porque “as outras estavam estragadas”, que rapidamente perdiam o interesse.
O interessante era carregar no botão, ouvir o clique e correr, pela mão do pai, para deixar a máquina na tabacaria da esquina.
E as tiras transparentes com imagens estranhas eram bem mais interessantes que aquelas pequenas imagens a preto e branco que nada tinham a ver com a realidade. Com a minha realidade.
Como todos os brinquedos, uma máquina fotográfica servia, também, para des- manchar. Todos os brinquedos servem para desmanchar. Para desmanchar e para estar dentro. Para estar dentro e para viajar.
Estas pedras em que viajo são também espaços de memória. Memória de um tempo total, de um tempo que é de reencontro.
Algures, entre o dentro da máquina e o espaço do tempo, deve haver um lugar onde as pedras continuamente mudem de lugar e o mundo seja transparente.
O lugar atrás da máquina é um não-lugar. Não está nem por diante nem por detrás do biombo das imagens. O lugar atrás da máquina é um lugar fora do tempo, onde cabem todos os autorretratos memórias, continuamente reconstruídos dum eu que teima em fugir. É o espaço onde o proto-si continuamente se re inventa re constroi re encontra.
O espaço dentro da máquina é outra coisa. É um espaço por onde passam hipó- teses, que cá fora se reconstroem em objetos (ou não).
Objetos que imaginados na realidade, nos informam na imaginação. Realidade independente da realidade que os imaginou.


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