Salvato Teles de Menezes

Fundación Ortega MuñozS10, Separata

SALVATO TELES DE MENEZES

ANTONIO FRANCO (DOMÍNGUEZ)

Já não me recordo muito bem quando, como e quem me deu a conhecer o António, mas, seja lá quem for, quero expressar-lhe, ainda que desta forma bastante estranha (é como elogiar o soldado desconhecido o que fez, não é assim?), os meus agradecimentos sinceros. De facto, esse gesto, agora historicamente anónimo para mim, permitiu-me conhecer uma das pessoas mais marcantes dos circuitos das artes espanholas e portugueses (sim, o António também era português, mais propriamente alentejano) e com ela estabelecer um diálogo simultaneamente pessoal e institucional, neste caso entre a o MEIAC e a Fundação D. Luís I.      
      Mas a nossa relação ultrapassou em muito esse âmbito institucional, para se tornar amizade e admiração, pelo menos da minha parte: almoçámos e jantámos inúmeras vezes, sozinhos ou acompanhados, trocámos informações relevantes (hotéis, restaurantes, artistas, exposições, museus) e até viajámos, não juntos, mas um carro atrás do outro (passava a vida ao volante: de Badajoz para Lisboa, de Badajoz para Madrid, de Madrid não sei para onde, etc.). Fomos, dessa vez, ter uma reunião em Madrid com o director do Museu Sorolla, com o objectivo de lhe propor uma exposição de obras do pintor valenciano (que Aquilino Ribeiro tinha na mais alta conta) no Centro Cultural de Cascais, com curadoria do próprio António, que seria inaugurada pelos Reis de Espanha quando visitassem Cascais.
     
A visita deu-se, a exposição de Joaquín Sorolla fez-se, mas não com obras emprestadas pelo seu Museu: valendo-me das boas relações que mantinha com a Administração da Fundaciò Bancaixa, de Valência, consegui o empréstimo da colecção de obras do pintor de que a referida fundação era proprietária, porque o Patronato do Museu Sorolla, depois de termos sido recebidos com (aparentes) simpatia e urbanidade pelo director, tinha decidido, sem qualquer justificação, não emprestar qualquer das peças seleccionadas pelo António. Este quase-revés ainda serviu para nos ligar mais e, ao longo dos tempos, fomos realizando várias exposições e outros eventos em conjunto, de que quero salientar a bela mostra de João Jacinto (acompanhada por um catálogo de grande qualidade) e a exposição da notável colecção de arte portuguesa contemporânea do MEIAC (escolhida pelo António e também inaugurada na visita dos Reis de Espanha a Cascais).
     
Foi ele igualmente que me convidou (ou sugeriu que me convidassem) a ser membro do júri de um festival de cinema que decorre em Badajoz, e muito conversámos e muito nos divertimos e muito comemos e bebemos durante esses dias de franca camaradagem: o António era um homem generoso (até me ensinou como devia tratar os Reis sem tropeçar no protocolo) e sabedor. Sempre que falava com alguém ligado ao mundo das artes em Espanha era unânime a opinião sobre ele: um profissional competentíssimo, com muitas e brilhantes ideias que a crise económica que afectou o MEIAC (e outras instituições culturais) o impediu de concretizar na sua totalidade. Mas nem isso o levou ao desânimo, apenas se lhe ouvia uma reflexão mais amarga de vez em quando, mas percebia-se que não tinha perdido a esperança nem abdicara de lutar por aquilo em que acreditava, sobretudo as relações transfronteiriças.
     
Infelizmente, não o pude acompanhar nos últimos tempos, os da doença, e talvez tenha sido melhor assim: re- cordá-lo como ele verdadeiramente era, irónico e arguto, amante da vida, amigo dos seus amigos. E lembrar aquele espanhol tão estremenho que às vezes me deixava de ouvido espetado no ar...
     
Fica a obra, o MEIAC, que tanto amou, e a memória que dele guardarei para sempre: um ser raro, daqueles que surgem em situações muito especiais e deixam em nós uma marca indelével forjada em momentos de grande intensidade fraternal. Que, estejas lá onde estiveres (espero que nesse território a que gosto de chamar O. E.), te divirtas e rias das nossas peripécias (ainda) terrenas.

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Salvato Teles de Menezes, António Franco e António Figueiredo (vogal à época do Conselho de Administração da Fundação D. Luís I) na inauguração da exposição Juan Barjola/Antonio Gamoneda: Tauromaquias Negras, no Centro Cultural de Cascais.