Tatiana Faia

Fundación Ortega MuñozPoesía, S10

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JOSÉ PEDRO CROFT
SIN TÍTULO, 2017

TATIANA FAIA

LISBOA, 1986

METEREOLOGIA

a metereologia do japão num bolso
o atacador de um dos sapatos solto
colado na lama da sola
as relações pesadas
e depois de novo subtraídas

minguava agora entre água estagnada
e uma mesa calcetada por um caco

e recomeçava outra vez pela hipótese
primeiro de relance
mas depois voltava
ao vício
do exame cuidadoso
e não podendo conter-se
já nem se repetia

dizia de si para consigo
muito baixo muito
mais baixo
do que qualquer
decibel
no som

saltando de um pé para outro
sacudindo os braços

agora
é que devo mesmo
perder-te
e não
posso

Teatro de Rua, 2013


OBSERVAÇÃO DE AUTOR DESCONHECIDO
ENQUANTO VÍTIMA DE SÍNDROME DE PENÉLOPE

um gira-discos toca numa destas salas
o silêncio é interrompido
por uma suspeita de gente
um envelope sobre a mesa

desprotegido e desfeito na tua privacidade
no modo como te deixas para a solidão
és o que por distracção se esqueceu de fugir aos bárbaros
e que agora como um convidado inconveniente
vai ter de ficar para o saque
um palerma coleccionador de postais

não te servia a memória de coisas passadas
mas também não podias abrir a boca
sem me atirares com isso da travessia das imagens
e já antes tinha percebido que contigo
era importante usar de rigor:

a coordenada inexacta tinha-o conduzido
à polaridade oposta, ao lado mais oscilante
de usar um nome ou de nunca ter sido alguma vez
verdadeiramente circunstancial
ao entendimento do medo
enquanto coisa que se articula
no tempo de um palpite

à tua frente duas chávenas
o caderno e a caneta duas folhas arrancadas
todo o cuidado e equipagem
que pode um inexperiente

o que desceu em outra primavera a esta cidade
para se aperfeiçoar na arte de subtrair coisas
mas agora ao que primeiro ia cortando e tirando
agora raivosamente frenético
em contínuo
continua a acrescentar

Teatro de Rua, 2013


a BELEZA DOS TEUS AMIGOS

para o Ricardo Marques e o João Concha

tu estás à espera
da beleza dos teus amigos
na concentração de uns segundos
num parque coberto de neve
onde os bêbados regressam para tropeçar
onde os esquilos não hesitam
na venerável lápide de william blake
moorgate é onde há tempo
para encontros com estranhos
e é tarde demais para falar de centauros
e não foi no teu casamento
que se ouviu o som de cascos
que os lapitas se juntaram à confusão
tanto tempo depois os teus olhos sobre
os frisos feridos pelas operações da manhã
as mãos cobrem os olhos e sabem coisas
dois três gestos a cabeça contra as mãos abertas
tu a pensar nas mãos deles manchadas de sangue
proverbiais gestos patriarcais em mãos que se repetem
no teu casamento
os convidados não se mataram
uns aos outros para festejar
regressas a casa de noite
tens sido o estrangeiro que se observa
a partir do escuro
em janelas em que te acendes e apagas
uma cinematografia um pouco mais definitiva
nunca mais vai voltar a ser como isto
mesmo se ninguém voltou à tua casa
com a notícia de um parente morto
entre os exércitos numa cidade
distante o suficiente
para ficar perto da inconsciência
ou ser um pouco menos o que tu és
no conforto da distância
os teus pesadelos foram
sempre tão mais banais
avanças na última estação em direcção
a um pouco mais de nada

e há homens sentados nos bancos
de fatos e chapéus de chuva
eles entram e saem são rasos e incólumes
não amas neles a rotina medíocre
e sem história do conforto o sossego acomodado
os jantares pacientemente contados

durante as pausas nos cafés lembras-te
de que o contrário de estar vivo é isto mesmo
e continuas
até à saída até teres atravessado
completamente para o lado de fora
na esterilidade tão limpa deste frio
pensa que é bom estar aqui
quando nenhum poema te deve já
a articulação de um regresso
e o que se faz e rarefaz é um cálculo
o que estás disposta a trocar
por esta certeza, aqui e agora

Um Quarto em Atenas, 2018