RENATA CORREIA BOTELHO
1.
Tudo é vasto nos seus passos
o tempo, o caminho,
a liberdade
Peço-lhes de quando em quando
uma frincha de luz
uma garra de bravura
E escondo-as no bolso
abrigadas de júbilos
e vendavais
Miam o coração escondido
do mundo, entre os escombros
e o poejo
Daqui a milhares de anos
continuarão por aqui, com a lua,
afiando versos.
2.
Não a vejo faz meses:
os dedos de terra húmida
a bolsa velha, o xaile de lã
Invernos a fio junto ao mar.
As costas, em curva, dadas
ao horizonte.
Nem me atrevo a perguntar
por ela. Os anjos são ferozes
quando partem.
Olho o vazio estafado
do seu banco,
uma igreja abandonada.
3.
Vens titubeando a manhã
aninhar na terra
o corpo exangue e breve
Trazes a noite na asa
o rasto facínora da caça
no chilreio que te resta
Vejo-te a patinha recolhida
sem dedos. Pesa-te agora
o chão, meu pequenino
A quem te roubou o voo
nem a morte devolverá
o canto alado do amor.
Fevereiro de 2018