JUAN RAMÓN F. MOLINA
II, 2020
Del cuaderno: De un paisaje incierto y sereno
RAQUEL NOBRE GUERRA
MESMO NAS FLORES COLHIDAS HÁ UM JARDIM
que me leva a estudar nele o que foi vivo
e apodrece para a alegria de uns olhos
para cada erro não longe se ilumina
e abraça um caos desordenadamente
se ergue um mundo mais confuso
mas quanto disso interessa ao poeta?
as horas passam as luzes acordam
para o ver aparecer e desaparecer
rapidamente
eu ouço um rompido de flores de nova era
quando leio uns versos que piscam o olho
aos poetas que escrevem poemas que ficam
a olhar para o boneco
é isso que me leva a escrever igualmente
terrível e belo
as flores deixo-as lá para serem colhidas
a quem precise muito
AS SOMBRAS COMEÇARAM A MOVER-SE COM DESTINO AO PAI
cabem bem no seu rosto obrigada mas
só o amor poderia tão convenientemente concordar
que o sol tenha de migrar e seja louco
pensar que as aves poisam onde sonham o seu poiso
aperto ao peito o músculo da ave
até o sangue perder toda a poesia
chamo o verão com a força com que se alcança uma cor
capaz de chamar coisas etéreas
e regressar à terra
QUANDO A FIGUEIRA-DA-ÍNDIA DESMAIOU
já a mãe vinha de braços abertos como um pássaro do luto
nada mudou de lugar ou sentido
mesmo quando as aves roeram
a carne doce e final do fruto
na oblíqua alusão a uma oculta
desculpa lógica para a natureza
tudo se encheu de vida
a manhã dormia sobre os corpos
numa malha fina de especiarias
um licor desmanchava na boca
o açúcar da metempsicose
a aranha dançava na matriz da teia
a raiz digeria a paciência do fruto
arfava pela terra uma aragem ruiva
uma primavera de respiração curta
PORQUE ESCREVER É A FORMA DE ENTREGAR A CONSCIÊNCIA DE ALGUNS A ALGUÉM
devagar fazemos amizade com o mundo
quando entramos nele de roupa suja
porque implícita é a luz do amor
temos a sensação de que uma energia percorre
cada extrema do ocidente
eu queria pensar uma coisa simples
ordenar com clareza uma casa um país a mente
mas o divino brilho é um corpo complexo
espalhado sobre tudo
e o sol entre cada primeiro e último
pensamento já não é aquecimento poético
agora somos outra idade outro exemplo
esperança racionada do flúor pela manhã
as nossas mãos acordam juntas e juntas
adormecerão na argila terrestre
não é tempo de mendigar esse futuro escrúpulo
ainda é cedo para a maquilhagem nocturna
vamos pela corrente subterrânea
namorar os elementos em língua camoniana
e não há distância entre nós e o dizer
não há escuridão enorme nesta escuridão