Nuno Brito

Fundación Ortega MuñozPoesía, S10

NUNO BRITO

PORTO, 1981

AS ABELHAS PRODUZEM SOL II

As pessoas segregam futuro
queremos aquilo que as pessoas segregam:
a vigília das montanhas, o vento mais quente do sul,
a manhã húmida e a certeza da expansão,
os raios de sol e o riso como ponte
a parte mais quente da sede antes de haver água.

As abelhas produzem sol
o Sol produz açúcar
as pessoas segregam futuro,

Queremos aquilo que as pessoas segregam.

As Abelhas Produzem Sol, 2015


ENQUANTO DORMES

      O linguista da terra do fogo abre uma porta, a do moinho, as pinturas na parede,
parece um batistério. Tem já na boca o hálito da fêmea que dorme. Deita-se. Sente as
ondas da respiração. O mergulho numa camada de sono mais funda, mais funda, parece
que o corpo se vai, ondas que entram mais na pele, à superfície parece que os braços
estão mais frios... ondas, a nuca, como se fosse um coral, ondas novas, um despertar
para o sono mais leve, ela volta-se e abraça-o. No entrelaçar dos braços e pernas,
armazenamento e pacto. Alegoria do moinho: semelhante a um homem que olha
diretamente para o Sol, vemo-lo a olhar para nascente, a fixar a estrela nos olhos...
diretamente parece que o pescoço não se move, mas acompanha o movimento do Sol ao
meio dia, olha exatamente para cima, o ângulo completa-se no momento em que cai a
noite como a pedra de Bolonha. O mesmo sabor agora nas duas bocas. Ao lado deste
homem está um diário aberto que nos diz que Os géneros mentem.

As Abelhas Produzem Sol, 2015


dirty old town

Cantar é rezar duas vezes.
SANTO AGOSTINO DE HIPONA

Jogos de azar de uma civilização passada
variantes desse jogo numa civilização futura, o mesmo
visto de outro ângulo, incorporou o primeiro:
Olhos novos: refletem o que está à frente, agora atrás
dos lados, nunca numa negação, apenas incorporação do desvio
ciclos que englobam saída deles, uniões que englobam as suas ruturas

curvas que parecem retas,
agora o jogo novo já não é um jogo, a derrota sempre foi a única ficção

olhares cruzados do futuro,
o que corre mais rápido em nós: o que só aceita a vitória
bombeado e seguro até aos dedos

      No destilar de uma canção nova viviam dois amigos.

As Abelhas Produzem Sol, 2015