Miguel-Manso

Fundación Ortega MuñozPoesía, SO11

MIGUEL-MANSO

algo brincou de Pollock no tecido cósmico
aspergiu um caminho de esférulas
sobre o charco das cerrações

o cais em que fixados vamos é
navio que chapeia sobre pélago e remoinhos

acendemos com a brevidade
de um fósforo dos pequenos

cada ente vivo um tiranossauro
acometido de aperto e temor vãmente
acenando contra o repleto nada

com o centrípeto fim preluzindo dentro

 

obscuro tempo quando
as casas sulcavam acesas pela noite e os vidros
enfunavam ofuscados

entorna da memória um rosto tacteável somente
com as mãos pequenas da infância
a juventude dos pais é um disco a girar no coração
do ido

mas é terno esse doer em suas rotações

 

QUATRO ROSAS MAIS CEDO

girassóis de plástico no alvor de uma casa
de banho de pensão

tudo apagava a cidade ao fundo
o janelão captando apenas o bailado de uns ramos
encrespados pelo vento das traseiras

era como agora um mês qualquer

eu lia À Beira do Mar de Junho e só isso
vendo bem me situava

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

escreve-se sempre com o que sobra:
um outeiro assolado pelo fogo os seus mastros pardos
solenes e de pé

e uns ventos que vagueiam sem atrito
e um bosque de vazios por courela / o doloso
e austero cumprimento da ruína

o bom de um poema é nele
poder rir disto tudo ainda que o riso
gravado assim no osso de uma estrofe
não seja mais do que a careta içada
ao próprio fim

escreve-se sempre com o que sofre
sopra-se sempre quando se escreve

QUINTA-FEIRA DA ASCENSÃO

– colher a espiga tosca de uns versos

– pendurá-los pelo pé à entrada de outro ano

– vê-los morrer

A DISPERSÃO DA TRISTEZA DOS CITRINOS EM ESPANHA 
E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA CITRICULTURA PORTUGUESA

Material: palavras, frases, fragmentos, imagens, proto-metáforas de um
texto de divulgação técnica elaborado pelo Eng. Agrón. Augusto Rosa
de Azevedo e editado pelo Ministério da Agricultura e Pescas – Instituto
Nacional de Investigação Agrária em Maio de 1980.
Regra: liberdades, liberdade.
Rega: copiosa.


como é do conhecimento geral
plantas de viveiro preferem terras ligeiras e sensíveis são
à podridão do pé

quando colhidas pelo frio e seus parâmetros
dão árvores pequenas de fruto médio obovado e globoso
a casca lisa muitas sementes

a doença vegeta bem nos terrenos necessários
indo bem noutros

rugoso limoeiro sumariamente descrito
subácido
clone comum
multiplicado e trazido a campo

a tangerina de cantão
de maturação temporã
quando no frigorífico
o seu sumo não torna amargo
quando volumosa
menos risonha é

limão cravo columela citranja da Índia
elenco das variedades velozes sumo
arenoso rico em sólidos perlongados no repouso
de flores grandes e calcárias

onde a limeira imediata emboca de forma errática
é de admitir a purificação
com binómios de medrança lenta
expande resistente aos sais e ramifica compacta
incidindo complexa
para obviar aos problemas levantados

largamente dispersas as plantas-mãe
produtoras de arborícolas borbulhas
por outro lado diversas ou saibrosas

laranja mélica extensivamente usada
desde os cultivares setubalenses aos plantios da Califórnia
pomares inúmeros
baías de umbigo livres
das viroses e afins

há ainda uma moléstia híbrida que vai
de fins de Novembro ao modesto charco
de Dezembro

há uma atmosfera de sementes percorridas
na meia-estação das clementinas

mas é na ausência de polinizador que a tristeza
mais inflama todavia

para não falar noutras maleitas fora do escopo
deste trabalho e que igual
limitam a produção de sumos simples cuja
impietratura desfecha sobre o travo
das árvores atacadas

numerosos são os cortes ensaiados
no embrião da seiva

é pois de muito interesse um porta-enxertos
de obtida plântula
uma grosseira mas sucosa espécie que sobre
se defenda e tenha verdor ilustre
em áreas mesmo de acérrimo gear

é conveniente a industria virar à exportação
avolumar rendimentos
transtrocar os prejuízos no estoque dos viveiros
daí ter-se vindo a chamar a atenção
para os cloretos e o boro
para a carência de infra-estruturas a míngua no fomento
a mutação do gomo

a entrega da lavoura ao seu declínio