BEATA BEATRIX, DANTE GABRIEL ROSSETTI
MÁRIO AVELAR
LISBOA, 1956
BEATA BEATRIX,
DANTE GABRIEL ROSSETTI
Algures no silêncio, uma
palavra secreta me foi confiada.
O lugar parecia deserto, a hora adiantada,
a noite avançada. O dia aproximava-se,
e o teu sono era sinal de um mistério.
Forse non ho altra prova che Dio mi vede e che
le tue pupille d’acquamarina parlano per lui.
Em teu rosto, a variedade e a suavidade da luz
e de todas as cores.
Nele, o amplexo sem fim excedendo
teus braços,
todos os teus beijos.
O amplexo
desvendado por uma
luz mais suave que a do sol e
a das estrelas,
na língua que os anjos e as almas
falam entre si.
De novo a sombra se estendeu sobre ti.
Entrou no quarto mais secreto
por um caminho, por certo, estreito, mas real, seguro.
Não era a carne nem o sangue que te revelava
mas sim a sombra
iluminando as tuas pálpebras,
o teu rosto.
Fazia-me ver a fraqueza do meu olhar,
suavizava para os meus olhos doentes
o brilho da sua luz, a luz que nasce da luz.
Nele procurei o silêncio e o retiro,
para sempre lugar
do meu repouso.
É ele que te planta no mar.
cONVENT THOUGHTS,
CHARLES ALLSTON COLLINS
Impaciente e nostálgica, espero por ti,
espero que te reveles, entre os lírios
deste meu jardim.
Sem descanso, procuro o teu rosto,
a luz do teu rosto.
Sem descanso, quero deixar-me
surpreender pelo teu rosto.
Deixa-me vê-lo, ouvir a tua
voz, pois ela é doce, e ele...
Ele, inefável, habita em mim.
The Light of the World,
William Holman Hunt
Me non praeterissimo, Domine.
Houve quem nestas palavras ocultas
reconhecesse uma conversão emocional.
Coisas dos críticos!
Talvez! Afinal, diziam que ele
morrera, mas para muitos de nós
perdera-se apenas: sua luz
brilhava nas trevas mas as trevas
não a acolhiam. Minha suave
noite, estrela da manhã,
ardente e luminosa perpassada
por Deus. Após esse teu fogo, cujo
silêncio é luz, emerge o
murmúrio de uma brisa suave.
Mariana,
John Everett Millais
Mariana,
John Everett Millais
I’ve been on the edge of the end.
Não porque o bardo o proclamasse
mas porque a minha alma vivia
o abandono. Não somos da noite,
nem das trevas? A noite desvanece.
Sinto-me confiante. Nada temo
neste meu claustro mais secreto.
Toma-me uma doçura que
inebria, suave luz que m’afaga.
The Man of Sorrows,
William Dyce
The Man of Sorrows,
William Dyce
Foi pelo pai lançado ao
abismo, ao seio dos mares, nesse
deserto que Dyce imaginou
nos planaltos agrestes
da Escócia, da sua
Escócia. O frágil
templo do pai mergulhou
no abismo do seu nada.
Tal como nós, almas perplexas,
foi um barco à deriva, aguardando
a luz que o céu havia
de derramar.