Gastão Cruz

Fundación Ortega MuñozPoesía, SO3

GASTÃO CRUZ

FARO, 1941


POEMAS

PEREGRINOS

                                                                 “Os peregrinos deslizam nas paredes. Silhuetas a arder sobre um fundo rugoso”.
Carlos de Oliveira, Finisterra

Toda essa gente dos transportes públicos
diariamente em trânsito parece
mover em sentido único um corpo que arrefece

Viste passar espectros vindos
do espelho informe em que também te vês
romeiros quem sois vós que destruís
a vossa imagem desistindo dela

Filhos fostes; trazidos na corrente
do fogo, regressais
ao presente e chamais-vos ninguém


NA CARRUAGEM DO METRO

Era um sonho, porém eu não sabia
que esse vivo evidente estava morto
na outra realidade, a omitida:
na carruagem do metro ele surgira

com o louco sorriso de outra vida
e beijava quem eu só conhecia
há poucos dias, vinte
anos se escoando no vazio


VOO DE LONGO CURSO

Sobre o pequeno écran uma linha vermelha
de novo se desenha por todo um continente
até ao destino ínfimo lentamente correndo
um ponto fixo porém ainda longínquo

Gente dorme ou vigia na cabine
humanidade infinda que se move
num céu sem luz talvez com ar que fora
da aeronave é um lugar remoto

onde as aves não passam e os ventos
são o rumo de um ar tornado falso
por apenas soprar no pensamento

dos que no ventre dele mergulhados
o sentem só na linha que percorre
abstractamente o mapa da viagem

San Francisco-Londres, 24 de Março de 2012



MEDITERRÂNEO

O poeta grego não aceita
o envelhecimento e gostaria
de morrer antes que o torne a decadência
alguém que não desejaria ser

Diz-me isto a uma luz de fim do dia
num jardim: muito perto,
de um azul
sempre recomeçado, o mar de sète,

antes por entre os túmulos
revisto quando no sol da tarde
procurava o de paul valéry:
ah meu amigo o mar conserva novo

o azul por um poeta olhado outrora,
e também o mar grego, que disseste
banhar os cemitérios
mais impressivamente do que este,

depois de nós continuará a ter
o mesmo azul da vida que nos há-de perder