ELISABETE MARQUES
o figo
There was a flower that flowered inward, womb-ward;
Now there is a fruit like a ripe womb.
D. H. Lawrence, “Figs”
1.
Flor invertida, cresce ela
oculta pela casca carnosa.
A língua a experimenta.
Similar à vespa necessária,
acerca-se do miolo
rubro, pingo de mel,
sucumbe no seio da flor
que dissipa o seu corpo.
Criadas assim as aberturas
por onde abalam as fêmeas
carregadas de pólen e de devir.
Mutualismo entre sementes e patas.
Dentro de cada flor,
branca, corada ou negra,
muitas outras flores.
E em cada uma delas, um fruto,
imperceptível potência adocicada.
2.
Esse segredo periforme
e estruturalmente sucoso
obriga ao gesto amável.
Uma delicadeza de dedos
que, pressionando a casca,
revele a polpa granulada.
Entreabertos, nos lábios,
suaves, os verdes;
dulcíssimos, os amarelos;
olorosos, os violeta.
Todos eles sabem a estio,
a maturidade das coisas
em acontecimento.
Mudo, adentro,
o enigma da combustão.
3.
O odor do figo,
flor da deusa que engole
os astros ao entardecer
e os devolve pela manhã,
por dentro do Verão,
difunde-se de crua fertilidade.
E lembra o recreio da boca,
a táctil erupção do gosto.
Habitam as copas esmeralda,
ornamento dos rios que deslizam,
os espíritos, os insectos,
ávidos de frescura e de alimento,
beijando ligeiros os pedúnculos
na espectativa de oferenda.
4.
Distinto do amargor
níveo do caule, o sabor
do néctar coral em sol
rebenta ou pulveriza-se;
na boca, o deleite
distendido, a saliva.
Ensaio da textura subtil,
da cor perfumada,
é preciso demorar-se atento
às subtilezas da percepção.
Aromas verdes, lácteos;
açúcar mascavado e tomilho
as notas da cabeça;
no coração exposto, melaço.
O corpo todo investido
numa proposta tão vã
e fugidia; devagar a língua
toda posta num único figo.