CLÁUDIA R. SAMPAIO
Caminhamos com os olhos ausentes
e quando recordamos não é já com a memória,
mas com o seu futuro
Não tivesse escolhido o inferno
e estaria agora encontrada no fim da terra,
uma condensação interior
Sentei-me na minha sombra reflectida no chão
deixando o corpo em queda acesa
uma casca morrendo de si própria
Sei que imagino a minha vida no altíssimo
nuvem elegante sempre branca,
atrasada com os seus ossos
e renasço cada vez mais vezes
por tempo demasiado curto
Ouso e danço com a cabeça entreaberta
um pensamento de pássaros soltos
que se prendem na distância
Sou no café do bairro os pés certos na hora incerta
Movimento-me na minha brutalidade honesta
cumprimento a mesma gente de febre viva nas axilas
de corpos sentados soltando pasto e vida
olhos secos de perfume
Que seria de mim sem esta calma de aprender a disfarçar um rosto
se não me desfigurasse a cada gesto lúcido
com os braços abertos na manhã da minha vida
se não escrevesse estas palavras
que não servem para mais nada útil
que não seja um registo de sopro
Porque o vazio não se enche de peito
nem desta luz vertical que parte as janelas
nem do canto sagrado onde te descalças para ser
nem das outras coisas que se empoeiram
como navios em extremo
E eu não o preencho nunca
O meu vazio é a calma e a ordem da certeza
A minha carne pendurada na fachada do teu rosto
Despejo-o repetidamente, e ele, a mim
Que assim nos mantenhamos sempre