
JOSÉ PEDRO CROFT
Sin título 2013
Aguatinta y aguafuerte
ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
LISBOA, 1976
O NOME NEGRO
CUATRO POEMAS
O CORPO
Envolvidos na roupa de palavras
já não é a pele que nos envolve
Este é um tempo raso e duro
e é escura a pele que nos consome
- símile do corpo urbano absurdo
violador do corpo em sua pele de facto
(plásticos nylon latex) – fome
de outro foco de luz alimentando
as larvas da roupa que nos morde
na vida real como num estrado
O corpo é agora electrochoque
Envolve com seu eco nocturno
a pele abandonada e devolve
ao corpo da cidade que nos foge
e vem morrer num tempo
igual ao nosso a luz de um dia
exacto quando o corpo urbano e frio
não matava o corpo que nos envolvia
na sua livre prisão Letargo rio
RECORDAÇÕES, AGORA (ANOS 80)
Extingo a pouco e pouco
o lume da chuva ácida Pára
a memória de ser a espada
dividindo dos dias míticos o logro
de tantos que morreram
trazendo neles a vida lançada
ao jogo de sondar os monstros
(os mesmos que me tragam
à entrada de mais uma
noite informe a que os sonhos -
a selva mais escura –
procuram dar morada)
Vivi antes na chuva plácida
que no sono rasga os nomes
reconhecíveis e os sonhos
tornam-se reais na tácita
cumplicidade entre passado
e presente porque extintos todos
quantos no longo corredor
do lago escuro da memória
são escrita e mito e monstros
e na chuva diluídos são estória
A POESIA
Cf. João Cabral de Melo Neto
A poesia abriu feridas
na sua fusão de sílabas
em transferências dúbias
em nossas coxas tíbias
A poesia insurgiu a fala
e remarcou terrenos
e mudou-me os termos
(é equação ou rio
ou oceano largo?)
e fustigou meus dedos
e cansou meus traços
e cegou meus braços
e os ossos fendeu-os
e o olhar fendeu
e apontou-me o mar
do globo ocular
e mostrou-me aos poucos
os areais do ar A poesia
abriu consoante os ritmos
todos os teus gritos
e a poesia deu-me
esta ferida certa
o cianeto claro
e a dicção concreta
Mas tirou-me o gosto
de entender seu mosto
o seu soluto e dorso
o seu intravenoso
sabor de pedra e gozo
2013 - EUROPA
1.
Corpos suicidários
Os teus contemporâneos
Ínvios e ambíguos
Os teus contemporâneos
Silenciosos e parcos
Os teus contemporâneos
Carnívoros e exactos
Os teus contemporâneos
Mentirosos e fracos
Os teus contemporâneos
Belos mas opacos
Os teus contemporâneos
Esquálidos e vagos
- nós: contemporâneos
2.
LISBOA, HOJE
Ao Fernando Eduardo Carita
O olhar que a solidão nos apedreja
é cratera É feito de distâncias
O olhar esta cidade indestrutiva
(polvo de ferro e morte em carne viva)
Onde náufragos somos e as vidas
são prisões quotidianas servidões
é um olhar liso como um polimento
e tem marés de fel como um sinistro mar
Lisboa Europa da fala tumular
ao bando dos vampiros no seu sangue estéril
fugaz rapace intrépido igual
o dia europeu sórdido canino policial
é um lugar exangue é o lugar do mal
e se nosso olhar é hoje um bisturi
na triste cidade que te vive em ti
apedrejar o tempo é nosso ofício