Sodoma Divinizada – Raul Leal

Fundación Ortega MuñozEscaparate de libros, SO1

ANTÓNIO APOLINARIO LOURENÇO

SODOMA DIVINIZADA
Raul Leal

Lisboa, Guimarães, 2010.

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Não se pode dizer em rigor que seja uma obra acabada de editar, mas esta reedição por uma editora do grupo Babel, a Guimarães, em associação com a Fnac, de um volume publicado pela Hiena em 1989, vem recolocar no mercado, em momento apropriado, um volume em que se recolhe um conjunto de textos que têm a sua origem na publicação da segunda edição, em 1922, das Canções de António Botto, na editora Olisipo, criada por Fernando Pessoa.

Trata-se do volume 4 da colecção “Pessoa Editor”, com organização, introdução e cronologia de Aníbal Fernandes. O livro intitula-se Sodoma Divinizada e, na capa, como autor aparece o nome de Raul Leal, que, na realidade, escreveu apenas dois dos textos que aqui figuram. Os restantes autores são Fernando Pessoa (com três textos, um dos quais assinado por Álvaro de Campos), Álvaro Maia e Pedro Teotónio Pereira, em nome da Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, para além, evidentemente do próprio Aníbal Fernandes, que assina uma breve introdução e várias notas cronológicas, intercaladas entre os artigos referidos, através das quais o leitor toma conhecimento do contexto cultural e político em que decorreu a polémica.

Aníbal Fernandes faz de Raul Leal o protagonista do livro, talvez porque a controvérsia acaba efectivamente por se centrar nesta figura exótica que vem a terreiro, num texto profundamente impregnado pelo simbolismo religioso esotérico, defender que “a Luxúria é Obra de Deus” ou que é na pederastia (isto é, na homossexualidade masculina), desde que divinamente sentida, que melhor “se exprime a unidade essencial de tudo, a unidade essencial da Existência em Deus”.

Refazendo a cronologia, tudo começou com a publicação, na revista Contemporânea, de um artigo de Fernando Pessoa, “António Botto e o ideal estético em Portugal”, que começava assim: “António Botto é o único português, dos que conhecidamente escrevem, a quem a designação de esteta se pode aplicar sem dissonância”. Reagiria o católico Álvaro Maia, na mesma revista, com o artigo intitulado “Literatura de Sodoma” insurgindo- se contra a apologia da homossexualidade feita por Botto nas Canções e elogiada por Pessoa. É então que surge o opúsculo de Raul Leal, Sodoma Divinizada, publicado, tal como as Canções, na pessoana Olisipo e, em reacção a este, um manifesto moralista e censório dos jovens ultracatólicos da Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, encabeçados por Pedro Teotónio Pereira e apoiados pelo jornal A Época, apelando a uma intervenção, “pronta e implacável”, das autoridades contra os difusores da perversão. Da acção da Liga dos Estudantes viria a resultar a apreensão dos livros de Botto e de Leal e ainda de Decadência, um livro de versos eróticos de Judith Teixeira. Uma desavergonhada, chamar-lhe-ia alguns anos mais tarde Marcelo Caetano.